quarta-feira, 15 de outubro de 2014

“Educação fiscal, democratização, sustentabilidade e controle de gestão: paradigmas de uma nova relação entre Estado e sociedade pós 1988” - Lauro Victor Nunes

Universidade de São Paulo
Escola de Artes, Ciências e Humanidades


Autor: Lauro Victor Nunes - Nº USP 7555141.
Curso temático: ACH 3666 - “A Cidade Constitucional e a Capital da República”.
Responsável: Prof. Dr. Marcelo Arno Nerling.
Carreira: Gestão de Políticas Públicas/ 8º semestre.

“Educação fiscal, democratização, sustentabilidade e controle de gestão: paradigmas de uma nova relação entre Estado e sociedade pós 1988”

Objetivo
            Este artigo se objetiva a expor e aprofundar algumas temáticas abordadas no curso “A Cidade Constitucional e a Capital da República”, ofertado pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, tendo por princípio aliar teoria e prática, prezando sempre pelo diálogo interdisciplinar entre as ciências sociais aplicadas, especialmente o Direito e o Orçamento Público, e outros enfoques voltados a Participação e Controle Social e Transparência da gestão pública brasileira atual, análises estas mais relacionadas às ciências políticas e ciências sociais.

Metodologia

            A produção do conhecimento aqui apresentado foi embasada nas palestras ocorridas entre os dias 06 e 12 de setembro de 2014 na capital federal, Brasília, em órgãos federais da administração pública direta e indireta, dos três poderes da república: executivo, legislativo e judiciário, bem como expertises adquiridas pelo interlocutor com as vivências e aprendizados do curso de bacharelado em Gestão de Políticas Públicas e de sua própria trajetória enquanto estudante univrsitário e, principalmente, cidadão. Foram elencados alguns temas dentre todos abordados pela viagem, priorizando-se uma análise concisa e transversal, de linguagem acessível, apesar do formato de artigo acadêmico. 

Justificativa
         A importância deste relatório está na sua capacidade de prestação de contas à sociedade. Considerando que a Universidade de São Paulo é uma instituição de ensino superior que tem em sua fonte orçamentária recursos advindos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do estado de São Paulo, imposto este que tributa, sobretudo, a população mais hiposuficiente do ponto de vista da renda, ou seja, aqueles que ganham até quatro salários mínimos mensais, cabe ressaltar a importância de que os aprendizados obtidos com a viagem didática, integralmente financiada pela Universidade, ou melhor, pela própria sociedade, sejam publicizados e estejam estes ao alcance de todos os cidadãos.   
Introdução
            O contexto da pós-redemocratização brasileira, no final da década de 80, inaugurou a descontinuidade do modelo de Estado centralizador, intervencionista, positivista, autoritário e provedor das principais políticas públicas e políticas sociais, fruto do processo de Bretton Woods e do Pacto Keynesianista. A década de 80 revelava um profundo desgaste do modelo de Estado intervencionista, o que podia ser observado no Brasil, em que a mesma década recebe, coloquialmente, o nome de “década perdida” (SALLUM JR, KUGELMAS, 1991: p.145), devido ao alto grau de endividamento interno e externo associado às crescentes renúncias fiscais que impactavam negativamente na acumulação de receitas por parte do Estado. Considerando a decadência, em maior ou menor grau, deste modelo de Estado emergente de um cenário pós-crise de 1929, surge um novo paradigma que visou a reformulação do Estado via diminuição de sua atuação, em especial, da sua capacidade de intervenção e regulação do mercado e da soberania nacional com o Consenso de Washington, em 1989, que representa o marco mundial do neoliberalismo e suas implicâncias (MAJONE, 1999).
            A ascensão da economia de mercado e do protagonismo dos atores privados internacionais ocasionou a construção de um modelo de Estado voltado à regulação da prestação de serviços que, historicamente, estiveram vinculados aos governos como os principais provedores. Em meio ao processo de reforma da estrutura do Estado, destaca-se a privatização e concessão dos serviços públicos, inclusive daqueles considerados bens meritórios, a exemplo da educação e saúde, tendo os governos latinoamericanos, no geral, ocupado uma função mínima, típica à regulação e supervisão, enquanto o mercado se organizou para prover tais bens e serviços. O neoliberalismo foi o responsável pela desregulação da economia, onde passou a priorizar um caráter especulativo, de sobrevalorização do patrimônio, onde “a atividade financeira passou a ser um dos principais motores do capitalismo” (PAREDES, ROADE, 2006: p.27 – tradução minha). Neste cenário, são visíveis os crescentes grupos que reconhecem o Estado como falho e excludente e, partindo desta premissa, se possível, visam substituir sua atuação em alguns setores específicos.
            Neste contexto, estavam em voga dois modelos de gestão pública: o gerencial e o societal. Em relação a este primeiro, largamente difundido nas gestões de Fernando Henrique Cardoso, nota-se que a descrebilidade dos Estados Nacionais latinoamericanos, dado o contexto de alto endividamento interno e externo dos governos, a acelerada inflação, a desindexação econômica, a incapacidade dos governos de prover a manutenção das políticas de Bem Estar Social, entre outros fatores, apontaram para a necessidade de redução da capacidade administrativa do Estado, sendo atribuído ao setor privado a prestação de certos serviços públicos antes essencialmente providos pelo setor público. Neste contexto globalizante e transnacional, é relevante descrever a ação do neoliberalismo ideológico como corrente teórica que, desde a década de 80, difundia um novo modelo de prestação de serviços públicos, destacando, em tese, a viabilidade de se privatizar, conceder e terceirizar ao mercado tais funções até então desempenhadas pelo Estado, cabendo a este último a função de regular a qualidade destes bens e serviços. Sen (2000) descreve que, para além das necessidades econômicas e de subsistência, também é função do Estado contemporâneo prover as condições necessárias para os indivíduos exercerem seus direitos civis e liberdades políticas. O ajuste neoliberal não eximiu os governos de sua responsabilidade quanto à manutenção da plena cidadania, da democracia representativa e da superação das desigualdades econômicas e sociais, afinal, no caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 é promulgada justamente no período de introdução destes novos paradigmas referentes à capacidade do Estado de constituir um novo modelo jurídico-organizativo e de prestação das políticas públicas.
            Pode-se relatar que esta corrente teórico-política, alicerçada na Nova Gestão Pública (New Public Management), focalizava a meritocracia, a eficiência, a flexibilidade de gestão e a análise dos resultados quantitativos como instrumentos-base da gestão pública gerencial, implementada no país a partir da década de 1990. Paes de Paula (2005) relata que o gerencialismo sustentava certas distorções ao abordar gestão pública tão somente sob a ótica da tecnoburocracia, promovendo, em parte, a manutenção das estruturas do Estado burocrático brasileiro do século XX, como a rigidez hierárquica associada à persistência de um modelo de cadeia de comando altamente verticalizado, ou top-down, contemplado pelas reformas do Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE), o que contribuiu para a formação de burocratas altamente insulados, mantendo-se a clara diferenciação entre o alto escalão governamental e os ditos burocratas de nível de rua que, por vezes, eram pertecentes à organizações privadas que prestavam serviços ao Estado, ou seja, compunham o serviço público não-estatal. Outro aspecto negativo se refere ao excessivo foco na eficiência de gestão e no monitoramento objetivo das políticas públicas, voltados à introdução de indicadores que mensuravam o desempenho das ações do governo, por vezes rankeando-as de acordo com os resultados, o que revelava um modelo de gestão emergido nos ideais positivistas, dada a evidência da avaliação quantitativa, do rankeamento e da racionalização da gestão. Por fim, a ausência de mecanismos de participação social na gestão pública gerencial eram ocasionadas pelo rígido formato institucional, seja das organizações sociais, seja do aparelho do Estado, que impossibilitavam as oportunidades de inserção popular na tomada de decisão e na formulação das políticas. A autora descreve que, ao “copiar” o setor privado, o gerencialismo não considerou que a participação na gestão pública representava uma demanda da sociedade.
            Tomando em conta este contexto, fica claro que a estrutura governamental, de tão rígida, não era capaz de “abranger o complexo tecido mobilizatório existente na sociedade brasileira” (PAES DE PAULA, 2005: p.44). Em relação às experiências brasileiras dos conselhos populares na área de saúde, Coelho (2005) descreve que as décadas de 80 e 90 estiveram emergidas em um cenário em que “la tradición autoritaria del Estado brasileño (…) dificulta reconocer y respetar al otro como ciudadano, la fragilidad de la vida asociativa, y la propia resistencia de los actores sociales y estatales para aceptar participar en esos foros han comprometido la efectiva participación social en el proceso de formulación y gestión de la política de salud” (p.1). Atentando para tal necessidade, ainda na década de 90, surgem algumas experiências locais de empoderamento social e de incentivos à prática cidadã, sendo eles o Orçamento Participativo e os Conselhos Gestores, amplamente descritos pela autora acima citada. Tais iniciativas demonstraram que a participação social poderia incrementar e impactar positivamente no ciclo das políticas públicas, desde a formatação da agenda até o monitoramento, considerando a expertise do cidadão-usuário. Sendo assim, tais iniciativas contribuiram para a legitimação de um novo modelo de gestão, introduzida no Brasil a partir da primeira década do século XXI, ainda que o primeiro governo Lula, em certos aspectos, tenha representado uma continuidade da estrutura organizativa de Estado da administração gerencial anterior, vide as políticas de austeridade fiscal, econômica e monetária praticadas neste período, mas que não impediram o avanço destas novas inciativas de fomento à participação e protagonismo popular na gestão pública, marcos da Gestão Social.
            E é exatamente em relação a este modelo de Estado pós-gerencial, ou societal, que reconhece a importância de introduzir e efetivar mecanismos de participação popular e controle social da gestão pública e tem por objetivo a superação do modelo weberiano clássico o objeto que embasa as análises a seguir.

Inovações da gestão societal

I) Educação fiscal:

            A educação fiscal não é um conceito novo. Suas experiências se iniciam ainda no governo de exceção da ditadura civil-militar brasileira, em 1969, com as primeiras ações educativas findadas pela “Operação Bandeirante”. Entretanto, o objetivo desta análise é priorizar as diretrizes que a educação fiscal passa a considerar na redemocratização, principalmente sob a forma do PNEF, a partir do ano de 1996. Interpretada como uma perspectiva didático-pedagógica, o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF) tem por finalidade maior construir uma nova relação entre Estado e sociedade civil no que se refere à educação fiscal e mecanismos de controle da gestão pública.
            A portaria interministerial nº413/2002 definiu as competências dos órgãos responsáveis pela implementação do Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF:

            O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA e o MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições, tendo em vista o Convênio de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério da Fazenda, o Distrito Federal e os Estados, resolvem:
“Art. 1º Implementar o Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF com os objetivos de promover e institucionalizar a Educação Fiscal para o pleno exercício da cidadania, sensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do tributo, levar conhecimento ao cidadão sobre administração pública e criar condições para uma relação harmoniosa entre o Estado e o cidadão”(BRASIL, 2014e).

            O PNEF, em sua essência, visou cumprir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil descitos no artigo 3º, inciso I, da Constituição Cidadã de 1988, sendo eles “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (BRASIL, 2014a). Antes de se iniciar as descrições a respeito do referido Programa, cabe aqui expor quais são e como ocorrem estas interações entre os governos e os cidadãos.
            Moore (2003), em sua obra “Criando Valor Público”, descreve que o Estado contemporâneo exerce sua autoridade formal para arrecadar recursos que serão capazes de financiar suas atividades em busca do bem comum e do interesse social. Estes recursos são os tributos, ou seja, impostos, taxas e contribuições que a sociedade paga aos governos em troca de uma prestação de bens e serviços públicos apropriados às necessidades locais e usufruídos por toda a coletividade. Estes bens e serviços compõem uma gama de empreendimentos públicos que não são provenientes de escolhas individuais e voluntárias dos cidadãos. Em uma democracia representativa, os indivíduos elegem parlamentares que centralizam a tomada de decisão sobre o que será produzido pelo Estado, enquanto os esforços maiores em relação à materialização desta tomada de decisão cabe aos burocratas.Para que existam políticas públicas, deve-se possuir, primeiramente, um orçamento, capaz de garantir o financiamento dos recursos materiais e imateriais consumidos pela atividade estatal. Mostra-se importante ressaltar que o orçamento também é composto pela soma dos tributos pagos aos governos pelos cidadãos, ou seja, é a contribuição individual e não voluntária dos cidadãos que garante a existência e as atividades desenvolvidas pelos governos.   
            Em uma sociedade liberal, em que as preferências individuais preconizadas pelo mercado sobressaem às coletivas, a atividade governamental é essencial para garantir uma distribuição justa e equânime de encargos e benefícios, tendo o Estado ocupado a função de alocar e redistribuir recursos em prol do interesse de todos os cidadãos.
            Considerando esta relação de interdependência entre Estado e sociedade civil, o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF) visa “sensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do tributo, levar conhecimentos aos cidadãos sobre administração pública, incentivar o acompanhamento pela sociedade da aplicação dos recursos públicos”(BRASIL, 2014d), além de “criar condições para uma relação harmoniosa entre o Estado e o cidadão” (BRASIL, 2014d). Sendo assim, no geral, o PNEF possui diretrizes voltadas à conscientização e empoderamento do cidadão para a função de controle do orçamento executado pelo Estado. Sendo a própria sociedade civil a financiadora principal das atividades governamentais, parece justo que este último garanta mecanismos de participação social na gestão, responsáveis pelos checks and balances (pesos e contrapesos) que proporcionam um uso adequado e responsável dos recursos públicos. 

II) Mecanismos de participação social na gestão pública:

            A legitimação do imperativo público, ou seja, da capacidade do Estado de concretizar ações que promovam justiça e equidade não se limitam a questão do controle do orçamento. A participação popular na gestão deve ser ampla, abarcando os três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) e as três esferas governativas (Federal, Estadual e Municipal). Neste sentido, cabe aqui descrever uma experiência em que o Estado brasileiro têm cumprido a máxima da proximidade e equilibrada relação com a sociedade civil organizada, sendo elas a Comissão de Legislação Participativa (CLP).  
            Ainda de acordo com a obra de Mark Moore (2003), sabe-se que o Legislativo é um importante ator governamental por centralizar a tomada de decisão sobre o que será ou não priorizado pelo Estado em determinado momento, dada a sua restrição orçamentária para o período. A perspectiva pluralista de análise da formatação da agenda das políticas públicas, oriunda da década de 60, aborda certas experiências em que a ação de grupos de pressão de certos segmentos da sociedade, representado pelos lobbies, é suficientemente capaz de direcionar a atenção e os recursos do Estado para determinados interesses que, por vezes, não são os da sociedade civil em geral naquele momento. Levando em conta a existência destes grupos coesos, e de sua capacidade de alavancar recursos públicos para atingir objetivos pessoais e finalidades próprias, mostra-se essencial que o Estado reconheça a necessidade e promova mecanismos de participação popular dentro do próprio parlamento, a fim de os interesses coletivos sejam contemplados pelos esforços públicos.
            Considerando este cenário, a Câmara dos Deputados percebeu a necessidade de se criar uma instância de efetiva participação popular dentro do Legislativo. Neste sentido, a Comissão de Legislação Participativa (CLP) representa uma intervenção direta da sociedade no sistema de leis e normas debatidas pelo Estado, sendo que é facultativo aos atores sociais apresentar “sugestões para elaboração de novas normas ou para o aperfeiçoamento da legislação já existente” (BRASIL, 2014c). A CLP recebe e examina as sugestões de iniciativa legislativa, pareceres técnicos, exposições e propostas advindas do Terceiro Setor, ou seja, Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), além das iniciativas de Associações de Classe, Sindicatos, Entidades da sociedade civil (exceto partidos políticos), além de Órgãos da administração direta e indireta do setor público, cumprindo a máxima da democracia deliberativa ao proporcionar aos cidadãos um espaço legítimo na arena legislativa para defesa e discussão de seus pontos de vista e interesses, sendo necessário que a própria sociedade se aproprie deste espaço e exerça seus direitos políticos.
            Nesta perspectiva da “democracia como criadora de um conjunto de oportunidades” (SEN, 2000:p.182), caberia aos cidadãos aproveitar as oportunidades para expor insatisfações e propor mudanças em sua realidade, levando em conta que a redemocratização, por si só, não foi suficientemente capaz de promover a superação das desigualdades sociais então perpetuadas, e de certa forma herdadas, do período histórico do Estado burocrático, de viés centralista e autoritário, ainda que este modelo político retomado na década de 80 seja o responsável por incentivar a criação de novas formas institucionais de participação popular na gestão pública.
            A iniciativa legislativa por parte da sociedade está prevista na Constituição Federal, Artigo 61, parágrafo 2, em que:
§ 2º “A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles” (BRASIL, 2014a).

III) Sustentabilidade da gestão pública:
            A sustentabilidade de gestão pode ser definida como a capacidade técnica-institucional do Estado de utilizar a restrição orçamentária que ele possui e maximizar a prestação de bens e serviços públicos à sociedade, garantindo sua existência, permanência e legitimidade no tempo-espaço. Revela-se necessário expor duas alternativas de sustentabilidade: a intervenção da sociedade civil execendo o controle da gestão e a diversificação institucional do Estado.
            Quando a participação social na atividade dos governos e sustentabilidade de gestão “tem tudo a ver”? A participação e o controle social são formas de garantir o princípio da economicidade da gestão pública quando os cidadãos induzem o Estado a atuar de forma responsável em relação à finalidade e ao consumo de recursos públicos, ou o “fazer mais com menos”. Esta demanda por aumento de eficiência deve existir, considerando que o Estado utiliza sua autoridade formal e coercitiva para cobrar impostos visando acumular  receita suficiente para intervir positivamente na sociedade (MOORE, 2003). Considerando que os financiadores do Estado são os próprios cidadãos, revela-se crucial que os atores societais estejam conscientes dos instrumentos do orçamento público e dominem as técnicas de educação fiscal, fator que este que justifica a importante existência do PNEF.
            Ao possuir canais de comunicação direta com representantes do governo, os cidadãos têm condição de exercer a verdadeira democracia participativa. Mobilizam esforços e recursos para barrar ações de improbilidade do Estado ou incentivar iniciativas de interesse social, daí a importância de um orçamento publicizado, transparente e que correlacione ações do Estado e as necessidades do curto, médio e longo prazo da população. Neste sentido, o Plano Pluri Anual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Responsabilidade Fiscal representam essenciais marcos regulatórios dos quais os indivíduos devem conhecer. Ao tomarem conhecimento da leis orçamentárias, bem como de seus instrumentos de gestão e controle dos fundos públicos, os cidadãos possuem condições suficientes para intervir na administração pública, induzindo o Estado a ser econômico, eficiente e, consequentemente,  sustentável no tempo-espaço. Ou seja, o cumprimento do princípio da accontability (participação, controle social e transparência das informações públicas) impacta diretamente na capacidade do Estado ser responsável e acertivo no gasto da despesa pública. Pode-se descrever uma relação causal em que quanto maior os mecanismos de participação social, maior poderá ser o controle  da gestão e, assim, sua eficiência na provisão de políticas públicas aos interessados.  
            A segunda alternativa de sustentabilidade da gestão está relacionada à redução da “máquina pública” ao incentivar a participação do Terceiro Setor na provisão de bens e serviços públicos. A execução de serviços públicos por meio das Organizações Sociais (OS) e/ou das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) podem ser citados como meios indicativos para a consolidação de outras instâncias diretas de participação social dentro da gestão pública, o que, de acordo com Spink (2002), revela uma “nova arquitetura social” (p.145), considerando que o aumento destas parcerias entre as agências públicas e as organizações da sociedade na provisão de bens e serviços promoveriam a superação do paradigma de gestão pública centrada em certas organizações antes exclusivamente responsáveis pela ação pública dos governos. Considerando este contexto, mostra-se relevante considerar que a democracia e as mudanças político-estruturais do Estado permitiram o surgimento de “uma nova visão sobre o desenvolvimento, que reforça o papel das organizações e redes locais constituídas independentemente do Estado” (MARTELETO, 2004: p.48), tendo a corrente ideológica-acadêmica da Nova Gestão Pública cumprido a função de ser um dos referenciais teóricos centrais para se entender a redução do Estado, a desburocratização, a informatização e a emergência de alianças com o setor privado e outros tipos de organizações societais para garantir efetividade dos empreendimentos públicos. Ainda de acordo com Spink (2002), estas alianças e parcerias das instituições públicas com outros tipos de organizações ajudam no cumprimento do ciclo de políticas públicas, pois visam suprir a necessidade de conseguir recursos para garantir sua efetiva implementação, em um contexto em que mobilizam “recursos que de outra forma seria difícil de se obter” (p.146), expressando assim a oportunidade de alavancar expertises e recursos externos para aumentar a capacidade de realização do que o Estado poderia fazer caso não contasse com tais auxílios.

IV) Mecanismos de controle institucional da gestão pública:

            Além dos Conselhos populares, do Ministério Público Federal e Estadual, dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, das Câmaras dos Vereadoes e das Assembleias Legislativas, cabe aqui aprofundar uma instância organizacional de controle da gestão mais recente: a Controladoria Geral da União (CGU). A CGU é uma instituição pertencente ao poder executivo federal e cumpre a função do controle interno ao fiscalizar estados e municípios que recebem recursos e/ou repasses federais. A sua criação advém da necessidade de responsabilização dos representantes do executivo, atividade esta que carecia de mecanismos de operacionalização.
            Como objetivos, a CGU preconiza detectar riscos de fraude e apoiar o processo de tomada da decisão dos gestores públicos ao realizar uma pré-auditoria da despesa pública que, em caso de irregularidade,  é repassada aos órgãos competetentes, sendo eles o Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado e Tribunal de Contas do Município. Sendo assim, representa uma unidade operacional composta por órgãos setoriais e da administração pública que avalia a gestão governamental, especialmente a execução dos gastos públicos. Além disso, promove a avaliação da execução dos programas de governo e o monitoramento de seus resultados por meio de indicadores de eficiência e eficácia que geram Relatórios de Avaliação (RAV) do desempenho da gestão. Também avalia a atuação dos administradores públicos, define diretrizes de orientação e capacitação destes gestores, promove a ação investigativa, a articulação interinstitucional e a transparência das informações de caráter público, alicerçada na Lei nº 12527/2011, estando sujeita à orientação normativa e supervisão técnica da Secretaria do Controle Interno (SCI). 
            A execução das funções de controle pressupõe a existência de uma burocracia governamental dotada de conhecimento especializado nos processos de gestão, autonomia e poder decisório, capacidade de formular metas políticas próprias, bem como de impor restrições às certas decisões políticas que julgar inapropriadas para a sociedade. A tecnocracia representa a superação do modelo de Estado weberiano clássico, em que os políticos centralizam a tomada de decisão e, aos burocratas, caberia uma execução imparcial e neutra, desconsiderando a capacidade destes de mobilizar ideias-força que representem os seus interesses pessoais e coletivos.    
            Como benefícios de sua intervenção, cita-se os prejuízos evitados, também conhecido como custo de oportunidade do uso dos recursos públicos, mudanças normativas, controle das práticas de gestão, entre outras iniciativas que promovam o aperfeiçoamento dos processos governamentais e ocasionem melhores serviços públicos à população, ou seja, maior economicidade e responsabilidade do uso dos recursos públicos e, consequentemente, maior efetividade das políticas públicas implementadas pelos governos. O Brasil é signatário de convenções internacionais contra a corrupção no setor público, o que sugere a cooperação transnacional para ações de investigação e combate à atos ilícitos. Outra iniciativa relevante é o Observatório da Despesa Pública (ODP), uma instância responsável pelo processo de pré-auditoria da execução dos gastos públicos, em que somente os maiores riscos de fraude são apurados. Representa um aprimoramento da gestão, no sentido em que preza pela defesa do patrimônio público e da transparência de gestão, além da produção de informações estratégicas para a auditoria e monitoramento dos gastos.
            Neste sentido, cabe à Controladoria Geral da União assegurar que os objetivos da política pública sejam cumpridos, considerando as finalidades políticas e sociais às quais foram propostas inicialmente: a melhoria do desempenho do Estado na provisão de bens e serviços e o uso responsável dos recursos públicos.

Reflexão crítica: “Existe democracia sem manifestação da população?”

                             
  Senado Federal. Foto tirada em 11/09/2014. Autoria própria. 

            Observe a imagem acima. É o Senado Federal, instância nacional do Legislativo bicameral brasileiro, no ano de 2014. Nota-se que a última frase descreve a seguinte situação: “Proibida a manifestação”. Mas que sentido a palavra “manifestação” possui? Neste caso, carrega uma conotação negativa, possivelmente relacionado à desordem pública. Mas seria o exercício de cidadania, incremento à atividade política formal eleita, um símbolo da desordem pública?
            Caro leitor, sabe-se que as instituições democráticas devem ter legitimidade para atuar na esfera política. Mas até onde a estabilidade e rigidez destas que, por vezes limitam a participação social, tem real legitimidade? Seria viável criar um canal de comunicação direto entre a sociedade civil e o Senado, a título do que já existe na Câmara dos Deputados com a Comissão de Legislação Participativa? A quem queremos calar “´proibindo a manifestação” da sociedade brasileira? É viável admitir que um órgão do Legislativo aja com tamanha limitação à participação popular? O objetivo deste tópico não é enviezar respostas prontas porque este interlocutor não acredita em explicações únicas para eventos complexos do cotidiano, especialmente na arena política. Vale a reflexão a respeito de que tipo de democracia queremos: delegativa ou deliberativa.  

Considerações Finais

            Viver o “Cidade Constitucional e a Capital da República” representou o ápice do exercício de minha cidadania. O ponto especial do projeto não está em tão somente conhecer as instituições políticas, mas me sentir parte delas e do trabalho que ali é produzido. Notar que, sem os cidadãos, o Estado não possui capacidade fiscal suficiente para atuar pelo bem público e este é o grande argumento que justifica o fato de que governos e sociedade devem ser uma “coisa só” e não atores políticos distanciados por barreiras físicas, institucionais e legais.

                           
Praça dos Três Poderes, Brasília. Alunos da USP. Foto tirada em 11/09/2014. Autoria Própria.

            Após as análises aqui produzidas, mostra-se essencial o fortalecimento do paradigma de gestão societal, em que a participação social seja prioritária no planejamento das principais ações decisórias do campo social e do mercado, não pretendendo o Estado retomar o modelo anterior de intervenção, mas sim que adotasse o caráter de principal gestor das políticas sociais, orientando as políticas públicas de forma estratégica e articulada para que, no longo prazo, de forma incremental e considerando a pluralidade de interesses da sociedade civil (MASSADIER, 2006; KLIJN, 1998), demarcasse uma gestão pública pautada pela accountability, caracterizada pela responsbilização política, transparência e controle fiscal, no legislativo e na burocracia estatal, a ser executado por órgãos próprios e pela sociedade civil.   

Referências Bibliográficas  
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