Universidade
de São Paulo
Escola
de Artes, Ciências e Humanidades
Autor: Lauro Victor Nunes - Nº USP 7555141.
Curso temático: ACH 3666 - “A Cidade Constitucional e a Capital da República”.
Responsável: Prof. Dr. Marcelo Arno Nerling.
Carreira: Gestão de Políticas Públicas/ 8º semestre.
“Educação
fiscal, democratização, sustentabilidade e controle de gestão: paradigmas de
uma nova relação entre Estado e sociedade pós 1988”
Objetivo
Este artigo se objetiva a expor e
aprofundar algumas temáticas abordadas no curso “A Cidade Constitucional e a
Capital da República”, ofertado pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
Universidade de São Paulo, tendo por princípio aliar teoria e prática, prezando
sempre pelo diálogo interdisciplinar entre as ciências sociais aplicadas,
especialmente o Direito e o Orçamento Público, e outros enfoques voltados a
Participação e Controle Social e Transparência da gestão pública brasileira
atual, análises estas mais relacionadas às ciências políticas e ciências
sociais.
Metodologia
A produção do conhecimento aqui
apresentado foi embasada nas palestras ocorridas entre os dias 06 e 12 de
setembro de 2014 na capital federal, Brasília, em órgãos federais da
administração pública direta e indireta, dos três poderes da república:
executivo, legislativo e judiciário, bem como expertises adquiridas pelo
interlocutor com as vivências e aprendizados do curso de bacharelado em Gestão
de Políticas Públicas e de sua própria trajetória enquanto estudante
univrsitário e, principalmente, cidadão. Foram elencados alguns temas dentre
todos abordados pela viagem, priorizando-se uma análise concisa e transversal,
de linguagem acessível, apesar do formato de artigo acadêmico.
Justificativa
A importância deste
relatório está na sua capacidade de prestação de contas à sociedade.
Considerando que a Universidade de São Paulo é uma instituição de ensino
superior que tem em sua fonte orçamentária recursos advindos do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do estado de São Paulo, imposto
este que tributa, sobretudo, a população mais hiposuficiente do ponto de vista
da renda, ou seja, aqueles que ganham até quatro salários mínimos mensais, cabe
ressaltar a importância de que os aprendizados obtidos com a viagem didática,
integralmente financiada pela Universidade, ou melhor, pela própria sociedade,
sejam publicizados e estejam estes ao alcance de todos os cidadãos.
Introdução
O contexto da pós-redemocratização
brasileira, no final da década de 80, inaugurou a descontinuidade do modelo de
Estado centralizador, intervencionista, positivista, autoritário e provedor das
principais políticas públicas e políticas sociais, fruto do processo de Bretton
Woods e do Pacto Keynesianista. A década de 80 revelava um profundo desgaste do
modelo de Estado intervencionista, o que podia ser observado no Brasil, em que
a mesma década recebe, coloquialmente, o nome de “década perdida” (SALLUM JR,
KUGELMAS, 1991: p.145), devido ao alto grau de endividamento interno e externo
associado às crescentes renúncias fiscais que impactavam negativamente na
acumulação de receitas por parte do Estado. Considerando a decadência, em maior
ou menor grau, deste modelo de Estado emergente de um cenário pós-crise de
1929, surge um novo paradigma que visou a reformulação do Estado via diminuição
de sua atuação, em especial, da sua capacidade de intervenção e regulação do
mercado e da soberania nacional com o Consenso de Washington, em 1989, que
representa o marco mundial do neoliberalismo e suas implicâncias (MAJONE, 1999).
A ascensão da economia de mercado e
do protagonismo dos atores privados internacionais ocasionou a construção de um
modelo de Estado voltado à regulação da prestação de serviços que,
historicamente, estiveram vinculados aos governos como os principais
provedores. Em meio ao processo de reforma da estrutura do Estado, destaca-se a
privatização e concessão dos serviços públicos, inclusive daqueles considerados
bens meritórios, a exemplo da educação e saúde, tendo os governos
latinoamericanos, no geral, ocupado uma função mínima, típica à regulação e
supervisão, enquanto o mercado se organizou para prover tais bens e serviços. O neoliberalismo foi o
responsável pela desregulação da economia, onde passou a priorizar um caráter
especulativo, de sobrevalorização do patrimônio, onde “a atividade financeira
passou a ser um dos principais motores do capitalismo” (PAREDES, ROADE, 2006:
p.27 – tradução minha). Neste cenário, são visíveis os crescentes grupos que
reconhecem o Estado como falho e excludente e, partindo desta premissa, se
possível, visam substituir sua atuação em alguns setores específicos.
Neste contexto, estavam em voga dois
modelos de gestão pública: o gerencial e o societal. Em relação a este
primeiro, largamente difundido nas gestões de Fernando Henrique Cardoso,
nota-se que a descrebilidade dos Estados Nacionais latinoamericanos, dado o
contexto de alto endividamento interno e externo dos governos, a acelerada
inflação, a desindexação econômica, a incapacidade dos governos de prover a
manutenção das políticas de Bem Estar Social, entre outros fatores, apontaram
para a necessidade de redução da capacidade administrativa do Estado, sendo
atribuído ao setor privado a prestação de certos serviços públicos antes
essencialmente providos pelo setor público. Neste contexto globalizante e
transnacional, é relevante descrever a ação do neoliberalismo ideológico como
corrente teórica que, desde a década de 80, difundia um novo modelo de
prestação de serviços públicos, destacando, em tese, a viabilidade de se
privatizar, conceder e terceirizar ao mercado tais funções até então
desempenhadas pelo Estado, cabendo a este último a função de regular a
qualidade destes bens e serviços. Sen (2000) descreve que, para além das
necessidades econômicas e de subsistência, também é função do Estado
contemporâneo prover as condições necessárias para os indivíduos exercerem seus
direitos civis e liberdades políticas. O ajuste neoliberal não eximiu os
governos de sua responsabilidade quanto à manutenção da plena cidadania, da
democracia representativa e da superação das desigualdades econômicas e
sociais, afinal, no caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 é
promulgada justamente no período de introdução destes novos paradigmas
referentes à capacidade do Estado de constituir um novo modelo
jurídico-organizativo e de prestação das políticas públicas.
Pode-se relatar que esta corrente
teórico-política, alicerçada na Nova Gestão Pública (New Public Management),
focalizava a meritocracia, a eficiência, a flexibilidade de gestão e a análise
dos resultados quantitativos como instrumentos-base da gestão pública
gerencial, implementada no país a partir da década de 1990. Paes de Paula
(2005) relata que o gerencialismo sustentava certas distorções ao abordar
gestão pública tão somente sob a ótica da tecnoburocracia, promovendo, em
parte, a manutenção das estruturas do Estado burocrático brasileiro do século
XX, como a rigidez hierárquica associada à persistência de um modelo de cadeia
de comando altamente verticalizado, ou top-down, contemplado pelas
reformas do Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE), o que
contribuiu para a formação de burocratas altamente insulados, mantendo-se a
clara diferenciação entre o alto escalão governamental e os ditos burocratas de
nível de rua que, por vezes, eram pertecentes à organizações privadas que
prestavam serviços ao Estado, ou seja, compunham o serviço público não-estatal.
Outro aspecto negativo se refere ao excessivo foco na eficiência de gestão e no
monitoramento objetivo das políticas públicas, voltados à introdução de
indicadores que mensuravam o desempenho das ações do governo, por vezes
rankeando-as de acordo com os resultados, o que revelava um modelo de gestão
emergido nos ideais positivistas, dada a evidência da avaliação quantitativa,
do rankeamento e da racionalização da gestão. Por fim, a ausência de mecanismos
de participação social na gestão pública gerencial eram ocasionadas pelo rígido
formato institucional, seja das organizações
sociais, seja do aparelho do Estado, que impossibilitavam as oportunidades de
inserção popular na tomada de decisão e na formulação das políticas. A autora
descreve que, ao “copiar” o setor privado, o gerencialismo não considerou que a
participação na gestão pública representava uma demanda da sociedade.
Tomando em conta
este contexto, fica claro que a estrutura governamental, de tão rígida, não era
capaz de “abranger o complexo tecido
mobilizatório existente na sociedade brasileira” (PAES DE PAULA, 2005: p.44).
Em relação às experiências brasileiras dos conselhos populares na área de
saúde, Coelho (2005) descreve que as décadas de 80 e 90 estiveram emergidas em
um cenário em que “la tradición autoritaria del Estado brasileño (…) dificulta
reconocer y respetar al otro como ciudadano, la fragilidad de la vida
asociativa, y la propia resistencia de los actores sociales y estatales para
aceptar participar en esos foros han comprometido la efectiva participación
social en el proceso de formulación y gestión de la política de salud” (p.1).
Atentando para tal necessidade, ainda na década de 90, surgem algumas
experiências locais de empoderamento social e de incentivos à prática cidadã,
sendo eles o Orçamento Participativo e os Conselhos Gestores, amplamente
descritos pela autora acima citada. Tais iniciativas demonstraram que a
participação social poderia incrementar e impactar positivamente no ciclo das
políticas públicas, desde a formatação da agenda até o monitoramento,
considerando a expertise do cidadão-usuário. Sendo assim, tais
iniciativas contribuiram para a legitimação de um novo modelo de gestão,
introduzida no Brasil a partir da primeira década do século XXI, ainda que o
primeiro governo Lula, em certos aspectos, tenha representado uma continuidade
da estrutura organizativa de Estado da administração gerencial anterior, vide
as políticas de austeridade fiscal, econômica e monetária praticadas neste
período, mas que não impediram o avanço destas novas inciativas de fomento à
participação e protagonismo popular na gestão pública, marcos da Gestão Social.
E é exatamente em relação a este
modelo de Estado pós-gerencial, ou societal, que reconhece a importância de
introduzir e efetivar mecanismos de participação popular e controle social da
gestão pública e tem por objetivo a superação do modelo weberiano clássico o
objeto que embasa as análises a seguir.
Inovações da gestão societal
I) Educação fiscal:
A educação fiscal não é um conceito
novo. Suas experiências se iniciam ainda no governo de exceção da ditadura
civil-militar brasileira, em 1969, com as primeiras ações educativas findadas
pela “Operação Bandeirante”. Entretanto, o objetivo desta análise é priorizar
as diretrizes que a educação fiscal passa a considerar na redemocratização,
principalmente sob a forma do PNEF, a partir do ano de 1996. Interpretada como
uma perspectiva didático-pedagógica, o Programa Nacional de Educação Fiscal
(PNEF) tem por finalidade maior construir uma nova relação entre Estado e
sociedade civil no que se refere à educação fiscal e mecanismos de controle da
gestão pública.
A portaria interministerial nº413/2002 definiu
as competências dos órgãos responsáveis pela implementação do Programa Nacional
de Educação Fiscal – PNEF:
O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA e o
MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições, tendo em vista o
Convênio de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério da Fazenda, o
Distrito Federal e os Estados, resolvem:
“Art. 1º Implementar o Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF com
os objetivos de promover e institucionalizar a Educação Fiscal para o pleno
exercício da cidadania, sensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do
tributo, levar conhecimento ao cidadão sobre administração pública e criar
condições para uma relação harmoniosa entre o Estado e o cidadão”(BRASIL,
2014e).
O PNEF, em sua essência, visou
cumprir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil descitos no
artigo 3º, inciso I, da Constituição Cidadã de 1988, sendo eles “construir uma
sociedade livre, justa e solidária” (BRASIL, 2014a). Antes de se iniciar
as descrições a respeito do referido Programa, cabe aqui expor quais são e como
ocorrem estas interações entre os governos e os cidadãos.
Moore (2003), em sua obra “Criando
Valor Público”, descreve que o Estado contemporâneo exerce sua autoridade
formal para arrecadar recursos que serão capazes de financiar suas atividades
em busca do bem comum e do interesse social. Estes recursos são os tributos, ou
seja, impostos, taxas e contribuições que a sociedade paga aos governos em troca
de uma prestação de bens e serviços públicos apropriados às necessidades locais
e usufruídos por toda a coletividade. Estes bens e serviços compõem uma gama de
empreendimentos públicos que não são provenientes de escolhas individuais e
voluntárias dos cidadãos. Em uma democracia representativa, os indivíduos
elegem parlamentares que centralizam a tomada de decisão sobre o que será
produzido pelo Estado, enquanto os esforços maiores em relação à materialização
desta tomada de decisão cabe aos burocratas.Para que existam políticas
públicas, deve-se possuir, primeiramente, um orçamento, capaz de garantir o
financiamento dos recursos materiais e imateriais consumidos pela atividade
estatal. Mostra-se importante ressaltar que o orçamento também é composto pela soma
dos tributos pagos aos governos pelos cidadãos, ou seja, é a contribuição
individual e não voluntária dos cidadãos que garante a existência e as
atividades desenvolvidas pelos governos.
Em uma sociedade liberal, em que as
preferências individuais preconizadas pelo mercado sobressaem às coletivas, a
atividade governamental é essencial para garantir uma distribuição justa e
equânime de encargos e benefícios, tendo o Estado ocupado a função de alocar e
redistribuir recursos em prol do interesse de todos os cidadãos.
Considerando esta relação de
interdependência entre Estado e sociedade civil, o Programa Nacional de
Educação Fiscal (PNEF) visa “sensibilizar o cidadão para a função
socioeconômica do tributo, levar conhecimentos aos cidadãos sobre administração
pública, incentivar o acompanhamento pela sociedade da aplicação dos recursos
públicos”(BRASIL, 2014d), além de “criar condições para uma relação harmoniosa
entre o Estado e o cidadão” (BRASIL, 2014d). Sendo assim, no geral, o PNEF
possui diretrizes voltadas à conscientização e empoderamento do cidadão para a
função de controle do orçamento executado pelo Estado. Sendo a própria
sociedade civil a financiadora principal das atividades governamentais, parece
justo que este último garanta mecanismos de participação social na gestão,
responsáveis pelos checks and balances (pesos e contrapesos) que
proporcionam um uso adequado e responsável dos recursos públicos.
II) Mecanismos de participação social na gestão
pública:
A legitimação do imperativo público,
ou seja, da capacidade do Estado de concretizar ações que promovam justiça e
equidade não se limitam a questão do controle do orçamento. A participação
popular na gestão deve ser ampla, abarcando os três poderes da República
(Executivo, Legislativo e Judiciário) e as três esferas governativas (Federal,
Estadual e Municipal). Neste sentido, cabe aqui descrever uma experiência em
que o Estado brasileiro têm cumprido a máxima da proximidade e equilibrada
relação com a sociedade civil organizada, sendo elas a Comissão de Legislação
Participativa (CLP).
Ainda de acordo com a obra de Mark
Moore (2003), sabe-se que o Legislativo é um importante ator governamental por
centralizar a tomada de decisão sobre o que será ou não priorizado pelo Estado
em determinado momento, dada a sua restrição orçamentária para o período. A
perspectiva pluralista de análise da formatação da agenda das políticas
públicas, oriunda da década de 60, aborda certas experiências em que a ação de
grupos de pressão de certos segmentos da sociedade, representado pelos lobbies,
é suficientemente capaz de direcionar a atenção e os recursos do Estado para
determinados interesses que, por vezes, não são os da sociedade civil em geral
naquele momento. Levando em conta a existência destes grupos coesos, e de sua
capacidade de alavancar recursos públicos para atingir objetivos pessoais e
finalidades próprias, mostra-se essencial que o Estado reconheça a necessidade
e promova mecanismos de participação popular dentro do próprio parlamento, a fim
de os interesses coletivos sejam contemplados pelos esforços públicos.
Considerando este cenário, a Câmara
dos Deputados percebeu a necessidade de se criar uma instância de efetiva
participação popular dentro do Legislativo. Neste sentido, a Comissão de Legislação
Participativa (CLP) representa uma intervenção direta da sociedade no sistema
de leis e normas debatidas pelo Estado, sendo que é facultativo aos atores
sociais apresentar “sugestões para elaboração de novas normas ou para o
aperfeiçoamento da legislação já existente” (BRASIL, 2014c). A CLP recebe e
examina as sugestões de iniciativa legislativa, pareceres técnicos, exposições
e propostas advindas do Terceiro Setor, ou seja, Organizações Sociais (OS) e
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), além das
iniciativas de Associações de Classe, Sindicatos, Entidades da sociedade civil
(exceto partidos políticos), além de Órgãos da administração direta e indireta
do setor público, cumprindo a máxima da democracia deliberativa ao proporcionar
aos cidadãos um espaço legítimo na arena legislativa para defesa e discussão de
seus pontos de vista e interesses, sendo necessário que a própria sociedade se
aproprie deste espaço e exerça seus direitos políticos.
Nesta perspectiva da “democracia
como criadora de um conjunto de oportunidades” (SEN, 2000:p.182), caberia aos
cidadãos aproveitar as oportunidades para expor insatisfações e propor mudanças
em sua realidade, levando em conta que a redemocratização, por si só, não foi
suficientemente capaz de promover a superação das desigualdades sociais então
perpetuadas, e de certa forma herdadas, do período histórico do Estado
burocrático, de viés centralista e autoritário, ainda que este modelo político
retomado na década de 80 seja o responsável por incentivar a criação de novas
formas institucionais de participação popular na gestão pública.
A iniciativa legislativa por
parte da sociedade está prevista na Constituição Federal, Artigo 61, parágrafo
2, em que:
§ 2º
“A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à
Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento
do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos
de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles” (BRASIL, 2014a).
III) Sustentabilidade da gestão
pública:
A sustentabilidade de gestão
pode ser definida como a capacidade técnica-institucional do Estado de utilizar
a restrição orçamentária que ele possui e maximizar a prestação de bens e
serviços públicos à sociedade, garantindo sua existência, permanência e
legitimidade no tempo-espaço. Revela-se necessário expor duas alternativas de
sustentabilidade: a intervenção da sociedade civil execendo o controle da
gestão e a diversificação institucional do Estado.
Quando a participação social na
atividade dos governos e sustentabilidade de gestão “tem tudo a ver”? A
participação e o controle social são formas de garantir o princípio da
economicidade da gestão pública quando os cidadãos induzem o Estado a atuar de
forma responsável em relação à finalidade e ao consumo de recursos públicos, ou
o “fazer mais com menos”. Esta demanda por aumento de eficiência deve existir,
considerando que o Estado utiliza sua autoridade formal e coercitiva para
cobrar impostos visando acumular receita
suficiente para intervir positivamente na sociedade (MOORE, 2003). Considerando
que os financiadores do Estado são os próprios cidadãos, revela-se crucial que
os atores societais estejam conscientes dos instrumentos do orçamento público e
dominem as técnicas de educação fiscal, fator que este que justifica a
importante existência do PNEF.
Ao possuir canais de
comunicação direta com representantes do governo, os cidadãos têm condição de
exercer a verdadeira democracia participativa. Mobilizam esforços e recursos
para barrar ações de improbilidade do Estado ou incentivar iniciativas de
interesse social, daí a importância de um orçamento publicizado, transparente e
que correlacione ações do Estado e as necessidades do curto, médio e longo prazo
da população. Neste sentido, o Plano Pluri Anual (PPA), a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Responsabilidade
Fiscal representam essenciais marcos regulatórios dos quais os indivíduos devem
conhecer. Ao tomarem conhecimento da leis orçamentárias, bem como de seus
instrumentos de gestão e controle dos fundos públicos, os cidadãos possuem
condições suficientes para intervir na administração pública, induzindo o
Estado a ser econômico, eficiente e, consequentemente, sustentável no tempo-espaço. Ou seja, o
cumprimento do princípio da accontability (participação, controle social e transparência das informações
públicas) impacta diretamente na capacidade do Estado ser responsável e
acertivo no gasto da despesa pública. Pode-se descrever uma relação causal em
que quanto maior os mecanismos de participação social, maior poderá ser o
controle da gestão e, assim, sua
eficiência na provisão de políticas públicas aos interessados.
A segunda alternativa de
sustentabilidade da gestão está relacionada à redução da “máquina pública” ao
incentivar a participação do Terceiro Setor na provisão de bens e serviços
públicos. A
execução de serviços públicos por meio das Organizações Sociais (OS) e/ou das
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) podem ser citados
como meios indicativos para a consolidação de outras instâncias diretas de
participação social dentro da gestão pública, o que, de acordo com Spink
(2002), revela uma “nova arquitetura social” (p.145), considerando
que o aumento destas parcerias entre as agências públicas e as organizações da
sociedade na provisão de bens e serviços promoveriam a superação do paradigma
de gestão pública centrada em certas organizações antes exclusivamente
responsáveis pela ação pública dos governos. Considerando este contexto,
mostra-se relevante considerar que a democracia e as mudanças
político-estruturais do Estado permitiram o surgimento de “uma
nova visão sobre o desenvolvimento, que reforça o papel das organizações e redes
locais constituídas independentemente do Estado” (MARTELETO, 2004: p.48),
tendo a corrente ideológica-acadêmica da Nova Gestão Pública cumprido a função
de ser um dos referenciais teóricos centrais para se entender a redução
do Estado, a desburocratização, a informatização e a emergência de alianças com
o setor privado e outros tipos de organizações societais para garantir
efetividade dos empreendimentos públicos. Ainda de acordo com Spink (2002),
estas alianças e parcerias das instituições públicas com outros tipos de
organizações ajudam no cumprimento do ciclo de políticas públicas, pois visam
suprir a necessidade de conseguir recursos para garantir sua efetiva
implementação, em um contexto em que mobilizam “recursos que de outra forma
seria difícil de se obter” (p.146), expressando assim a oportunidade de
alavancar expertises e recursos externos para aumentar a capacidade de
realização do que o Estado poderia fazer caso não contasse com tais auxílios.
IV)
Mecanismos de controle institucional da gestão pública:
Além dos Conselhos populares, do
Ministério Público Federal e Estadual, dos Tribunais de Contas da União, dos
Estados e dos Municípios, das Câmaras dos Vereadoes e das Assembleias
Legislativas, cabe aqui aprofundar uma instância organizacional de controle da
gestão mais recente: a Controladoria Geral da União (CGU). A CGU é uma
instituição pertencente ao poder executivo federal e cumpre a função do
controle interno ao fiscalizar estados e municípios que recebem recursos e/ou
repasses federais. A sua criação advém da necessidade de responsabilização dos
representantes do executivo, atividade esta que carecia de mecanismos de
operacionalização.
Como objetivos, a CGU preconiza
detectar riscos de fraude e apoiar o processo de tomada da decisão dos gestores
públicos ao realizar uma pré-auditoria da despesa pública que, em caso de
irregularidade, é repassada aos órgãos
competetentes, sendo eles o Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do
Estado e Tribunal de Contas do Município. Sendo assim, representa uma unidade
operacional composta por órgãos setoriais e da administração pública que avalia
a gestão governamental, especialmente a execução dos gastos públicos. Além
disso, promove a avaliação da execução dos programas de governo e o monitoramento
de seus resultados por meio de indicadores de eficiência e eficácia que geram
Relatórios de Avaliação (RAV) do desempenho da gestão. Também avalia a atuação
dos administradores públicos, define diretrizes de orientação e capacitação
destes gestores, promove a ação investigativa, a articulação interinstitucional
e a transparência das informações de caráter público, alicerçada na Lei nº
12527/2011, estando sujeita à orientação normativa e supervisão técnica da
Secretaria do Controle Interno (SCI).
A execução das funções de controle
pressupõe a existência de uma burocracia governamental dotada de conhecimento
especializado nos processos de gestão, autonomia e poder decisório, capacidade
de formular metas políticas próprias, bem como de impor restrições às certas
decisões políticas que julgar inapropriadas para a sociedade. A tecnocracia
representa a superação do modelo de Estado weberiano clássico, em que os
políticos centralizam a tomada de decisão e, aos burocratas, caberia uma
execução imparcial e neutra, desconsiderando a capacidade destes de mobilizar
ideias-força que representem os seus interesses pessoais e coletivos.
Como benefícios de sua intervenção,
cita-se os prejuízos evitados, também conhecido como custo de oportunidade do
uso dos recursos públicos, mudanças normativas, controle das práticas de gestão,
entre outras iniciativas que promovam o aperfeiçoamento dos processos
governamentais e ocasionem melhores serviços públicos à população, ou seja,
maior economicidade e responsabilidade do uso dos recursos públicos e,
consequentemente, maior efetividade das políticas públicas implementadas pelos
governos. O Brasil é signatário de convenções internacionais contra a corrupção
no setor público, o que sugere a cooperação transnacional para ações de
investigação e combate à atos ilícitos. Outra iniciativa relevante é o
Observatório da Despesa Pública (ODP), uma instância responsável pelo processo
de pré-auditoria da execução dos gastos públicos, em que somente os maiores
riscos de fraude são apurados. Representa um aprimoramento da gestão, no
sentido em que preza pela defesa do patrimônio público e da transparência de
gestão, além da produção de informações estratégicas para a auditoria e
monitoramento dos gastos.
Neste sentido, cabe à Controladoria
Geral da União assegurar que os objetivos da política pública sejam cumpridos,
considerando as finalidades políticas e sociais às quais foram propostas
inicialmente: a melhoria do desempenho do Estado na provisão de bens e serviços
e o uso responsável dos recursos públicos.
Reflexão
crítica: “Existe democracia sem manifestação da população?”
Senado
Federal. Foto tirada em 11/09/2014. Autoria própria.
Observe a imagem acima. É o Senado
Federal, instância nacional do Legislativo bicameral brasileiro, no ano de
2014. Nota-se que a última frase descreve a seguinte situação: “Proibida a
manifestação”. Mas que sentido a palavra “manifestação” possui? Neste caso,
carrega uma conotação negativa, possivelmente relacionado à desordem pública.
Mas seria o exercício de cidadania, incremento à atividade política formal
eleita, um símbolo da desordem pública?
Caro leitor, sabe-se que as
instituições democráticas devem ter legitimidade para atuar na esfera política.
Mas até onde a estabilidade e rigidez destas que, por vezes limitam a
participação social, tem real legitimidade? Seria viável criar um canal de
comunicação direto entre a sociedade civil e o Senado, a título do que já
existe na Câmara dos Deputados com a Comissão de Legislação Participativa? A
quem queremos calar “´proibindo a manifestação” da sociedade brasileira? É
viável admitir que um órgão do Legislativo aja com tamanha limitação à
participação popular? O objetivo deste tópico não é enviezar respostas prontas
porque este interlocutor não acredita em explicações únicas para eventos
complexos do cotidiano, especialmente na arena política. Vale a reflexão a
respeito de que tipo de democracia queremos: delegativa ou deliberativa.
Considerações
Finais
Viver o “Cidade Constitucional e a
Capital da República” representou o ápice do exercício de minha cidadania. O
ponto especial do projeto não está em tão somente conhecer as instituições
políticas, mas me sentir parte delas e do trabalho que ali é produzido. Notar
que, sem os cidadãos, o Estado não possui capacidade fiscal suficiente para
atuar pelo bem público e este é o grande argumento que justifica o fato de que
governos e sociedade devem ser uma “coisa só” e não atores políticos
distanciados por barreiras físicas, institucionais e legais.
Praça dos Três Poderes, Brasília.
Alunos da USP. Foto tirada em 11/09/2014. Autoria Própria.
Após as análises aqui produzidas, mostra-se essencial o fortalecimento do
paradigma de gestão societal, em que a participação social seja prioritária no
planejamento das principais ações decisórias do campo social e do mercado, não
pretendendo o Estado retomar o modelo anterior de intervenção, mas sim que
adotasse o caráter de principal gestor das políticas sociais, orientando as
políticas públicas de forma estratégica e articulada para que, no longo prazo,
de forma incremental e considerando a pluralidade de interesses da sociedade
civil (MASSADIER, 2006; KLIJN, 1998), demarcasse uma
gestão pública pautada pela accountability, caracterizada pela responsbilização
política, transparência e controle fiscal, no legislativo e na
burocracia estatal, a ser executado por órgãos próprios e pela sociedade
civil.
Referências
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