domingo, 12 de outubro de 2014

RELATÓRIO DA “CIDADE CONSTITUCIONAL: A CAPITAL DA REPÚBLICA VIII”.

Autor: Helton Hissao Noguti.
Nº USP: 7554877.



“O conhecimento é como um jardim: se não for cultivado, não pode ser colhido!” Provérbio Africano.


Introdução.

Logo no segundo semestre do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, descobri que havia uma disciplina chamada “Cidade constitucional: capital da república” a qual rompe as paredes da sala de aula , supera os muros da universidade e vai em busca do direito na rua e nas instituições republicanas. E cuja missão é facilitar o desenvolvimento da personalidade, o preparo para a cidadania e para o mundo do trabalho, por meio de encontros expositivos, diálogos, mapa conceitual, estudo dirigido, solução de problemas, formação de diagnósticos, dramatização, seminário, estudo de caso, painel, estudo de meio (NERLING & ANDRADE, 2014), obviamente me matriculei, mas algo me dizia que ainda não era a hora de vivenciar tudo isso, o tempo passou, muitas coisas ocorreram e com alguns anos a mais nas costas, já no oitavo semestre, resolvi me matricular novamente, seria então a última oportunidade que eu teria para realizar a disciplina, mas ainda sim não conseguia compreender o significado de tudo isso, mas agora sabia que era a hora certa, não por ser a última chance, mas por sentir que seria uma viagem inesquecível. Para a minha alegria a matrícula havia sido efetivada e então começavam os preparativos para a viagem, teria enfim começado a vivenciar o espírito da “Cidade constitucional: Capital da República”, em duas semanas o ônibus sairia do campus leste da USP rumo à Brasília-DF.

A viagem.

Na sexta-feira, dia 5 de setembro de 2014, cheguei no campus leste da USP por volta das 16h, a fim de não pegar o “horário de pico”, da linha-12 da CPTM, com mala e tudo mais, por volta das 20h já estávamos dentro do ônibus, a ansiedade era tamanha e o ônibus demorava a se mexer, por volta das 21h começamos a jornada de 18 horas de viagem, por volta das 23h paramos para jantar e após isso foram mais umas duas paradas até que o sol começasse a se mostrar forte, imponente. Já em Goiás, comecei a reparar nos grandes latifúndios que se estendiam um ao lado do outro, com quilómetros de distância entre cercas que cercam um mesmo terreno, cheguei a presenciar até um jatinho particular descer em uma dessas fazendas com várias pessoas esperando o provável dono daquilo tudo em contraste com uma população empobrecida, em cidades não tão estruturadas e me assustei, quando, do nada, surge aquela cidade planejada, com prédios modernos onde, de fato, vive a nossa capital, Brasília. Cidade criada para sediar o tripé da nossa democracia representativa, a capital da nossa República, e chega até ser engraçado em alguns pontos pois é uma cidade onde nossos governantes, pelo menos, deveriam governar para a população, mas que não pensa no coletivo. Logo ao chegar na capital da República, reparei no número de carros e na falta de faixas de pedestre que existem, sem contar a frota de ônibus que parecem sucatas sobre rodas, carregando as pessoas humildes que elegeram os ocupantes das cadeiras do Congresso Nacional, prédio imponente, que se mostra receptivo com seu jardim estendido e com sua vista tombada, permitindo-se ser visto de longe, e o presidente da República, que governa do Palácio do Planalto, cercado, minuciosamente observado e com dois guardas dos Dragões da Independência que guardam a entrada principal do palácio, único prédio dos três poderes que não pudemos visitar.

Começamos então o dia 6 de setembro com uma visita ao prédio do Supremo Tribunal Federal, iniciada no Hall dos Bustos, onde encontram-se os bustos de grandes personalidades, como D. Pedro I (1789-1834), promulgador da independência do nosso país, Joaquim Nabuco (1849-1910), figura marcante do movimento abolicionista brasileiro, e, claro, Rui Barbosa (1849-1923), patrono dos advogados brasileiros, senador da República e brilhante jurisconsulto, foi o principal autor do Projeto da Constituição republicana de 1891, fomos também apresentados à Porta Simbólica de acesso ao Plenário, adornada com a escultura “A Justiça” – de Alfreto Ceschiatti (1975), em metal dourado, que, antes da reforma do Edifício Sede, em 1978, era usada como porta principal de acesso ao plenário da Corte, seguimos então para o quatro “Os Bandeirantes de Ontem e Hoje”, do artista plástico Massaroni Uragami, que traça um paralelo entre as bandeiras de Fernão Dias Paes Leme, os desbravadores da Transamazônica e a fundação de Brasília, seguindo para o Plenário, que é resultado da reforma executada na década de 1970, cujo painel que compõe o fundo da sala é de Athos Bulcão e foi feito em mármorebege-bahia. Ao centro está fixado um crucifixo dourado de autoria de Ceschiatti, que data de 1977, nesse momento me veio um pensamento, sendo o Brasil um Estado laico, desde 1891, com a promulgação da Constituição Republicana – aquela cujo principal autor do projeto fora Rui Barbosa, que faz com que o Estado deixe de ser um Estado Confecional, sendo portanto há mais de um século e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tendo positivado nos artigos 5º, VI e, 19, I, que os órgãos do Estado ficam proibidos de professar, influenciar, ser influenciado, favorecer, prejudicar, financiar, qualquer vertente religiosa, pois não existe religião oficial em nosso país, sendo este, entre outros, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, por que na corte suprema do nosso Poder Judiciário, a guardiã da Constituição Federal, há um crucifixo?

Após esse momento de brainstorming seguimos para o 2º andar do Edifício Sede, onde estão localizados a Sala Contemporânea, que abriga mobiliário do século XX que pertencia à Corte ainda no Rio de Janeiro, o Salão Nobre, local onde são recepcionados os chefes de Estado de países estrangeiros em visita ao Supremo Tribunal Federal e o Hall dos presidentes oficiais, o Salão Branco, que abriga a “Galeria de Retratos dos Ex-Presidentes do STF” e a Galeria de fotos dos ministros, onde, conforme o palestrante, todos os ministros passam todos os dias, e onde se encontra uma réplica da Constituição Federal de 1988 em exposição a fim de que os ministros lembrem-se dos votos que fizeram na graduação em Direito para defenderem a Constituição.

No mesmo dia não houve mais visitas, tentamos chegar ao Itamaraty à tempo mas não conseguimos, retornamos então à Praça dos Três Poderes para pegarmos o ônibus em direção à ESAF – Escola de Administração Fazendária, onde ficamos hospedados. Devido ao calor e a falta de hidratação unido à roupa escura e quente que usava, tive uma leve crise de enxaqueca, mas que logo passou após um banho e um pouco de descanso, tivemos então, na mesma noite do dia 6 a apresentação da metodologia, que mescla a andragogia, ensino de adultos, e a escutatória, que se resume a escutar mas também falar, questionar, interagir. Acabando assim o primeiro dia em Brasília.

Na manhã seguinte, do dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, levantamos cedo, saímos às 5h da matina para assistir à alvorada no Palácio da Alvorada, residência da Presidente da República e depois seguimos para o desfile cívico-militar de 7 de setembro. Eu e meus amigos ficamos em uma arquibancada popular, assisti às pessoas aplaudirem todo aparato militar do Estado e indaguei sobre a mensagem transmitida pelo desfile militar, a questão do controle social ficou implícito para mim, é o Estado mostrando ao mundo e ao cidadão brasileiro que, aquele maquinário todo além de servir para garantir a nossa independência, também serve para controlar, conter, “pôr ordem na casa”, essa questão me marcou por algum tempo, argumentei com colegas e me senti menos mal ao saber que não era o único a pensar dessa forma, em retorno à ESAF às 12h30, fomos recepcionados com um churrasco e um dia de laser, onde, com meus colegas, fui conhecer mais o campus da escola, os arredores, jogar vôlei, enfim, um dia de descanso após três dias corridos.

Já na manhã de segunda-feira, dia 8 de setembro, tivemos a mesa de abertura com a presença de representantes da ESAF; USP; de la Oficina EUROsociAL II – FIIAPP; El Salvador e Honduras, Raíde Almeida, diretora substituta da ESAF destaca que, para que tenhamos cidadania, soberania plena, há a necessidade de se falar de educação, necessidade de reconhecer as diferenças e as culturas, frisa que o cidadão livre da colonização neoliberal é capar de pensar criticamente a fim de mudar a realidade social., o Profº. Drº Douglas Andrade destaca a oportunidade que a disciplina traz de apresentar a realidade de inúmeras políticas e o Profº Drº Marcelo A. Nerling destaca que as matrizes que sustentam a disciplina “Cidade Constitucional: A Capital da República VIII” são: sustentabilidade e educação fiscal.

Durante à tarde, tivemos uma palestra na ENAP – Escola Nacional de Administração Pública que retratou um pouco do seu histórico e da cooperação internacional, obtivemos muitas informações de como a escola de governo funciona, cuja missão é auxiliar os gestores dos ministérios capacitando-os para a função – específica ou não, sendo uma fundação pública, criada na década de 1980 – quando se chamava FUNSEP – recebendo o nome de ENAP na década de 1990 e que atua em diversos campos, tendo a categoria de fundação e administração direta e indireta, cursos como de consultoria são reservados aos funcionários públicos federais, o que aproxima a escola da gestão pública.

Saindo da ENAP, retornamos à ESAF pois às 19h estava marcado o IV Seminário USP-ESAF – O Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF: Educação Fiscal e preparo da cidadania, onde tivemos uma palestra incrível com Ronaldo Iunes, que trouxe à luz questões sobre escolhas entre investimento e política social - pois escolher ambas é aumentar tributo e sobre educação fiscal visa ir aos interiores do Brasil e leva em consideração as diferenças locais. Drº Antônio também fez sua fala ao elucidar questões da tributação no Brasil, cuja carga é de 38,5%, e que tributa pouco em propriedades, movimentações financeiras, ações e renda, mas tributa muito em consumo, o que faz com que sempre os mais pobres paguem mais imposto.

Na manhã de terça-feira, 9 de setembro, tivemos o V Seminário USP – Controladoria Geral da União, órgão do poder executivo que controla a União, Estados e Municípios (quando estes recebem recursos federais). Nessa manhã tivemos uma palestra sobre corrupção, destacando que o discurso cai para o lado moralista, e que o Estado tem que ter capacidade de informar a população através da Lei 13.019/14, sendo o diálogo direto com a sociedade que muda a relação Estado-Sociedade. Vemos então a estrutura da CGU, que controla 2,48 trilhões do orçamento, 53 mil unidades administrativas, 39 ministérios , 600 mil servidores e que tem como equipe 2500 servidores, destaca-se que a informação é importante para o feedback dos gastos , fazem portanto um controle primário, trabalho realizado através de bancos de dados estruturados do governo, mas não fazem auditoria e sim uma pré-auditoria, subsidiando-as caso necessário, o palestrante destaca que a CGU não tem competência para realizar auditorias, mas pode solicitá-la.

Saímos da CGU e fomos direto para o IV Seminário USP-UNB – Universidade de Brasília – O direito achado na rua e nas instituições da cidade constitucional seguido do VII Seminário USP- MS – Políticas Públicas, saúde esporte. Para explicar o direito achado na rua, o Profº. Drº. José Geraldo de Souza Júnior, destaca que a rua é o local onde o processo político é visto com ressalvas, consideradas perigosas, local de baderna, lugar de encontros sociais e que urbanizar a cidade é legitimá-la.

Na quarta-feira, 10 de setembro, durante a manhã visitamos o Bosque dos Constituintes, plantado em 4 de outubro de 1988, véspera da promulgação da Constituição Cidadã, que nasce como homenagem aos membros da Assembleia Nacional Constituinte, os quais foram pioneiros ao incluir na CF/88 um artigo inteiramente dedicado à proteção do meio ambiente. Por iniciativa da Câmara dosDeputados o bosque tornou-se Parque Bosque dos Constituintes com a publicação do Decreto Distrital nº 29.641, de 24 de outubro de 2008. Em 4 de novembro do mesmo ano, foi formalmente adotado pela Câmara dentro do programa “Abrace um Parque”, do Instituto Brasília Ambiental do Governo do Distrito Federal. (NERLING & ANDRADE, 2014).

Às 9h tivemos o VI Seminário USP – Comissão de Legislação Participativa – Política, sistema e mecanismos de participação, onde, basicamente, vimos como é o funcionamento de uma comissão, os trâmites pelos quais passam os projetos-lei e os diversos modos de representação desses projetos, seguimos para a simulação do trabalho das comissões, onde discutiríamos a legalização da maconha e da diminuição da maioridade penal, onde tivemos intervenções muito interessantes em conflito, que enriqueceu o debate e chegou a causar fortes emoções em alguns participantes que vivenciaram de perto a violência praticada por menores.

À tarde tivemos o V Seminário USP – Eventos Legislativos do Senado – Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, onde ouvimos, com paixão, o trabalho dessa comissão, que chega a ter um tom de ativismo dentro do governo. Já exausto depois de um dia corrido e com muitas palestras e muita coisa para absorver, retornamos à ESAF finalizando o nosso dia.

Na quinta-feira, dia anterior à nosso retorno à São Paulo, fomos visitar os vitrais da sede, espelho da Federação e tivemos o I Seminário USP- Caixa Federal – Programa CAIXA Melhores Práticas em Gestão Local, baseado no programa de Melhores Práticas e de Lideranças Locais das Nações Unidas, coordenado pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, instituição responsável por ações voltadas para a melhoria dos assentamentos humanos em todo mundo (NERLING & ANDRADE, 2014), seminário no qual vimos basicamente a missão da CAIXA, os objetivos dos programas e suas categorias de foco. Em seguida tivemos o II Seminário USP – Banco Central – Educação fiscal e financeira para a cidadania, onde fomos apresentados a inúmeros programas de educação fiscal desde 1998 à 2013. Fizemos então uma visita à casa da moeda, onde se encontra a maior pepita de ouro do Brasil e seguimos para um almoço e depois ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo foco era o Programa Nacional de Formação Continuada a Distância nas Ações do FNDE – Formação pela Escola, onde, em uma palestra fantástica, fomos convidados a retornarmos àquela instituição como servidores, uma vez que a necessidade é enorme, também tivemos a oportunidade de ouvir um egresso do curso que nos relatou um pouco sobre a relação entre município e FNDE.

À noite o assunto foi pesado, no Ministério da Justiça, mais especificamente no V Seminário USP – Ministério da Justiça – Tráfico de pessoas, política sobre drogas; proteção e defesa do consumidor sustentável. Já exausto, retornamos à ESAF. Na manhã da sexta-feira, dia da nossa partida, junto com colegas, visitei o Memorial JK e a Torre de TV, voltamos para a ESAF, pegamos o ônibus e retornamos à São Paulo.

O retorno.

Certamente entrei naquele ônibus de volta à São Paulo de outra forma, se fui sem saber o que me esperava, voltei com vontade de conhecer mais, ir mais além, foi nos dada a oportunidade de estarmos ali, frente à frente com o Estado e suas políticas, com seu discurso, com sua retórica, jamais irei esquecer do Adalberto Paz, convidando-nos para retornarmos ao FNDE como servidores, ficou clara, em inúmeras palestras e em inúmeras falas a necessidade que esses órgãos tem de Gestores de Políticas Públicas, que não se encostem no Estado a fim de ter segurança salarial, mas sim que trabalhem com amor, como o senhor Adalberto, que gostem daquilo que fazem, é clara a evidência de que os problemas são diários e no curso de graduação somos bombardeados com teorias que relatam problemas e tivemos a oportunidade de ouvir, em cada fala, em cada olhar, a angústia dos problemas da gestão pública no cotidiano, mas a paixão de trabalhar e de querer solucionar tais problemas, não com o egoísmo de que somente eles podem resolver, mas com um discurso que nos remete à colaboração, ao pedido de ajuda em caso de necessidade, o Estado nada mais é do que um lugar onde problemas e soluções se encontram com a ajuda daqueles que amam o que fazem, e para fazê-lo profissionalizam-se, adquirem conhecimento, cultivam seus jardins, como o Pau-Ferro, árvore plantada pelo Dep. Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, no ano de 1988, no Parque Bosque dos Constituintes, a árvore claramente mais volumosa e mais viva do parque, plantada, cultivada e que hoje nos fornece sementes, assim como os artigos da Constituição Federal, para que façamos com que o direito esteja cada vez mais próximo e mais tangível para o cidadão brasileiro para que façamos do Brasil uma nação tão próspera quanto sua árvore, Ulysses. 


Referências.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2000.

BRASIL Supremo Tribunal Federal. Portas Abertas: Programa de Visitação do STF – Praça dos Três Poderes – Brasília DF, 2014. 

NERLING, Marcelo Arno. ANDRADE, Douglas de. A cidade constitucional: Capital da República – VIII Edição. Brasília: Disciplina de graduação da Universidade de São Paulo, ACH 3666, 2014, Mimeo.

Nenhum comentário: